Entrevista do médium e macerdote de Umbanda Rubens Saraceni à Revista Espiritual de Umbanda, Edição Especial 1, ano I, Editora Escala.
Rubens Saraceni |
“Exu
é o Guardião das Passagens e Porteiras que existem em nosso mundo
visível, protegendo, para que não adentrem em nosso ambiente as
influências negativas. Sua característica mais marcante é a de
transmissor da fertilidade e da fecundação. Caminha no tempo e espaço
com tranqüilidade, abrindo nossos caminhos. Difícil falar de Exu sem
comentar a controvertida face do mal que se formou no imaginário
popular. Outro ponto bastante discutível é se ele é um Orixá ou apenas
mais uma Entidade representativa do ser humano. Mas Exu é muito mais que
isso; tanto pode se apresentar no mundo visível que conhecemos, como
também no mundo dos Orixás, Entidades e Espíritos dos Mortos.
Exus
são Entidades muito poderosas, mas qualquer um que se utilize de sua
vibração deve tomar sempre muito cuidado para não causar um
desequilíbrio energético. Ele é o mensageiro, aquele que leva nossos
pedidos até o conhecimento dos Orixás. Na época da escravidão, os negros
africanos dançavam nas senzalas e os brancos entendiam como uma simples
saudação aos seus deuses. Mas ali incorporavam seus Exus que, com seu
jeito de se movimentar e gritar, acabavam por assustá-los. Estes, os
brancos, agrediam os médiuns, dizendo que estavam possuídos pelo
demônio. Com o tempo, os brancos conheceram melhor a religiosidade
africana e sabiam das entregas feitas a Exu, confirmando, em sua visão
deturpada, a “incorporação do demônio”.
Dessa
forma, essas e outras incorporações mal interpretadas foram se
inserindo na mentalidade do povo, fazendo com que esse grave erro de
entendimento perdurasse por muitos anos, acima de seu verdadeiro
contexto. Infelizmente, nosso querido Guardião Exu ainda é visto por
muitos como aquele que faz o mal, e se satisfaz com o que esse mal possa
provocar. Durante anos e anos, segmentos religiosos contrários fizeram
de tudo para atribuir-lhe conceitos errôneos, criando demônios para
defini-lo. Tudo isso não passa de uma grande e injusta mentira, que
hoje, graças à evolução, está sendo derrubada, fazendo com que muitos
conheçam sua verdadeira função e atividade, que é a de guardião e
controlador da Criação e do Universo. É através do Exu que nós, seres
humanos, conseguimos exercer nosso livre arbítrio, falando diretamente
de nosso coração. “Muitos procuram Exu para satisfazer desejos
mesquinhos de vingança, sem se importar com a Lei da Evolução, que é
implacável e devolve tudo quando menos se espera.”
O que caracteriza hoje a Gira de Esquerda e até que ponto ela é importante para a Umbanda?
—
Em minha opinião, a Gira de Esquerda é indispensável para a Umbanda,
porque trabalhamos com a força dos Orixás, e quem trabalha com a força
dos Orixás deve também se utilizar da Linha de Esquerda, onde trabalham
as Entidades que lidam, controlam e refreiam um pouco as investidas dos
espíritos do baixo astral. Nas Giras de Esquerda, Exu e Pomba-Gira são
indispensáveis, porque são eles que lidam com essas forças negativas.
Em sua concepção, Exu é um Orixá ou uma Entidade?
—
É indiscutível que Exu é um Orixá com a mesma grandeza que os outros.
Assim como o Orixá Ogum, em que as linhas de trabalho se apresentam como
Caboclos de Ogum, o Orixá Exu tem suas linhas de trabalho que se
apresentam como Exus dos mais variados campos: Exus das Encruzilhadas,
Exus do Cemitério, Exus das Matas, Exus das Pedreiras, que nada mais são
do que manifestadores do Mistério Exu na irradiação dos Orixás.
E o Exu possui uma irradiação específica?
A
irradiação pura de Exu, dentro da Umbanda, não é trabalhada, ela só é
trabalhada através dos Exus que incorporam nos médiuns como Exus de
Trabalho, Exus Guardiões dos Médiuns. Nem o grau de guardião é muito
explorado na Umbanda.
E o que o senhor me diz com relação ao Exu, através do sincretismo, ter sido associado ao demônio, com coisa do mal?
—
Isso é um mito popular que se criou de que Exu é demônio. A palavra
demônio, fazendo aqui um parêntese, é espírito, mas tem essa conotação
de coisa trevosa. Exu não é demônio, na religião é elemento religioso,
na magia é elemento mágico, na Lei é executor. Então, para nós
umbandistas, Exu não tem essa conotação de um ser demoníaco, como no
catolicismo essa palavra tem. Acredito até que, por desconhecimento de
causa, muitas pessoas acabaram acreditando e ainda acreditam nisso; de
onde se criou esse mito popular tão bem explorado por determinadas
seitas, que se utiliza de Exu como um “espantalho” para explicar o mal
das pessoas, quando sabemos que o mal de cada um reside em si mesmo, e
não em seu exterior. Eu não aceito essa conotação, porque trabalhamos
com o Exu que ajuda as pessoas, cura, abre os caminhos, e, se fosse esse
“demônio” de que tanto falam, não faria tudo isso.
Alguns
Terreiros costumam utilizar roupas escuras em suas Giras de Esquerda. É
realmente necessário esse tipo de vestimenta? Quem solicita esse
aparato?
—
Isso tudo vai depender da formação do médium. Existem correntes de
Umbanda que recomendam que em dia de Gira de Exu os médiuns devem se
vestir de preto e vermelho. Eu respeito, mas não adoto esse tipo de
trabalho. Em nossa corrente, nas Giras de Exu todos os médiuns estão
vestidos de branco e vibram do mesmo jeito que quando recebem qualquer
outro tipo de espírito, não será a nossa veste física que irá mudar o
etérico. Eu não adoto em nossos trabalhos espirituais o uso das capas e
das vestes pretas e vermelhas, mas também não condeno, porque tudo é uma
questão de estilização da Linha de Trabalho.
É possível ao Exu prestar a caridade?
—
Da mesma forma que a caridade prestada pelo Caboclo. Dentro do trabalho
espiritual, Exu está para servir às pessoas, apenas tem uma forma
diferente de trabalho por lidar com as forças negativas dentro daquilo
que foi reservado a ele, que precisa de elementos específicos. Enquanto o
Caboclo precisa de uma oferenda com frutas, velas coloridas e flores, o
Exu precisa da mesma oferenda, mas usando a pimenta, o dendê, pinga,
velas pretas, charutos e moedas, elementos característicos que ele
manipula com muita facilidade, e usa também esses mesmos elementos para
fazer a limpeza etérica e espiritual das pessoas.
E as oferendas a Exu que as pessoas costumam entregar nas encruzilhadas? Por que a encruzilhada?
—
Quando alguém se consulta com Exu e pede uma ajuda, ele fala: Faça uma
oferenda para mim na encruzilhada, ou nas matas... Existem Exus que
trabalham nos cruzamentos das irradiações divinas, que pedem que se
despache para ele na encruzilhada. As pessoas entendem como encruzilhada
física, e não é necessariamente essa a encruzilhada. Para fazer uma
verdadeira oferenda na encruzilhada, a pessoa teria que construí-la em
um ponto mágico, em qualquer lugar. Através daquele ponto mágico a
pessoa acessa a vibração que o Exu precisa para trabalhar e ajudá-la. As
entregas não precisam ser feitas necessariamente nas ruas, ainda que as
pessoas façam e o Exu acabe recebendo ali, porque o objetivo dele é
ajudar, não tem culpa que as pessoas desconheçam o lado oculto do
mistério dele.
Vamos falar sobre o mistério do demônio. O senhor acredita na existência dessa carga contrária à evolução?
—
Eu não admito essa conotação que tem o demônio. Digo que existem as
esferas negativas projetadas por nós encarnados, alimentadas por nós
mesmos. São freqüências vibracionais que existem na Criação; quem entra
em sintonia vibratória com essas freqüências é porque está totalmente
negativado, o ser humano é o alimentador disso.
No que diz respeito à evolução, não é necessário também esse processo de cada um no contexto do equilíbrio cósmico?
—
Claro que sim. Como podemos admitir que uma pessoa, que teve uma
passagem terrível e danosa ao seu semelhante aqui na Terra, depois que
desencarna ser recolhida no astral junto com espíritos que aqui fizeram
uma caminhada luminosa e que são amantíssimos da paz? A mistura acontece
no plano físico, não no plano astral. A Lei Maior criou essas faixas
vibratórias justamente para recolher esses espíritos, onde eles passam
por um esgotamento energético e emocional, e dali só saem quando
estiverem preparados para aceitar determinados procedimentos em acordo
com a Lei da Evolução. Enquanto não aceitarem vão continuar ali, como
numa prisão.
O senhor acredita que a Terra seja um planeta de provas?
—
Não. Acredito que este planeta é muito abençoado, porque, até onde
sabemos, até onde a ciência conseguiu nos mostrar até agora, não existe
outro planeta habitado por perto, se existe, está muito distante. Se os
outros não têm esse lado material, o nosso é um planeta privilegiado.
O
senhor possui uma obra literária umbandista na qual retrata essa
questão. Fale sobre o livro “O Guardião da Meia-Noite”, que hoje já se
tornou um ícone no que diz respeito à questão dos guardiões, da magia
dos Exus.
—
O Guardião da Meia-Noite tornou-se de fato um referencial; acredito ter
sido o primeiro livro publicado que aborda de forma tão clara o transe
evolutivo de um espírito após a sua queda, sua regressão consciencial.
Esse livro retrata a história de um espírito que traz em si um poder
muito grande, mas que, por razões que são bem descritas, ele acabou indo
parar na faixa negativa, e de lá teve coragem de se reerguer, coragem
de admitir seu erro, sua culpa, e iniciar o seu processo de subida
vibracional, não física. Ele é o guardião de um mistério. O mistério da
passagem. A meia-noite nada mais é do que a passagem, ele é um guardião
de passagem, assim como existem outros guardiões, de outros campos. São
irradiadores de mistério e têm o poder de agregar espíritos ao mistério
deles, e esses espíritos passam a ser manifestadores desses mistérios e
se apresentam com o nome deles.
Essa obra o senhor considera uma psicografia da Umbanda?
—
É uma psicografia e tem um mentor espiritual responsável por ela, que é
o Pai Benedito de Aruanda. Pai Benedito disse que esse trabalho era o
início, a abertura para as psicografias dentro da Umbanda num sentido
literário, criando uma literatura com valores umbandistas, personagens
que se manifestam dentro da Umbanda e que muitos outros autores se
somariam a isso posteriormente, e isso eu já vi acontecer.
Quais as últimas palavras que o senhor deixa aos nossos leitores no sentido da conscientização do verdadeiro atributo de Exu?
Peço
aos leitores que meditem sobre isso: O Exu possui uma característica
dupla: tanto pode ser ativado para abrir como para fechar os caminhos. O
que as pessoas precisam entender é que Exu é neutro, o responsável
pelos atos é quem os pratica. Que cada um use o Mistério Exu em seu
benefício e de seu semelhante, nunca para prejudicar o próximo. Assim,
estará ajudando na evolução do próprio Exu, tirando seu negativismo, e
comecem a resgatá-lo, pois ele é preciosíssimo para a Umbanda, é o
Mistério da Esquerda, é indispensável, não podemos ficar sem a Entidade
Exu na Umbanda, e não podemos permitir que as pessoas usem seu poder
duplo para acertar contas terrenas, porque estarão contrariando a
evolução e tudo retornará a elas, com toda certeza.”
Fonte: Revista Espiritual de Umbanda, Edição Especial um, ano I, Editora Escala.
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